Richard M. Felder
Nota do Tradutor: Originalmente este texto foi publicado em uma revista de ensino de engenharia química. Entretanto, acredito que ele seja uma leitura interessante para os alunos que estão fazendo suas primeiras matérias na engenharia. Para inseri-lo na realidade do “nosso” curso, tomei a liberdade de fazer algumas mudanças, principalmente com relação aos termos específicos da engenharia química. A versão original pode ser lida aqui.
- Olá João, o que está pegando?
- É a prova de amanhã, professor. Um... O senhor poderia me dizer quantas questões ela terá?
- Eu não sei como isto irá te ajudar, mas serão três questões.
- Beleza. E vai ser com consulta?
- Sim, como todas as outras provas que eu apliquei nos últimos semestres.
- E por acaso vai cair aquele apêndice do livro que mostra o cálculo da corrente termiônica de uma válvula?
- Não! Isso era usado antes de você nascer. Olha João, nós podemos continuar com essa brincadeira por horas, mas o que você acha da gente sentar e você me explicar o que está acontecendo. Você me parece nervoso.
- Para dizer a verdade, professor, eu não sei o que eu arrumei desde a última prova e por isto eu estou achando que eu vou me dar mal amanhã.
- Entendo... João, qual o seu RSG?
- Aproximadamente 3,5, eu acho, mas este semestre ele vai despencar com certeza...
- E qual foi a sua média nas duas primeiras provas?
- 92.
- E você realmente acredita que irá mal na prova amanhã?
- Bem...
Infelizmente, de certa forma ele realmente acredita nisto. Obviamente ele sabe que é um dos melhores alunos do curso e que se ele acertar 60% da prova, o resto da turma acertará 30%, mas nada disso passa pela sua cabeça agora. O que ele está fazendo então?
A literatura pop da psicologia [1] chama essa atitude de síndrome do impostor. A mensagem subliminar que toca sem parar na cabeça do João é a seguinte:
Eu não tenho dados do quanto esse fenômeno é comum entre os estudantes de engenharia, mas quando eu falo sobre isto nas minhas aulas e seminários e chego na parte do “eles acreditam mesmo que eu sou muito bom, mas eu me conheço...”, o público ressoa como a corda de um violão. Estudantes riem nervosamente, concordam acenando com a cabeça, viram as cadeiras para ver a reação dos colegas. Minha suposição é que eles acreditam profundamente que aqueles ao seu redor estão no lugar certo, mas eles mesmos não.
Eles estão, em sua maioria, errados. A maior parte deles está no lugar certo – eles vão passar pelo curso e se tornarão engenheiros competentes e algumas vezes engenheiros excelentes – mas a agonia que eles experimentam antes das provas e toda vez que são questionados publicamente é o preço a ser pago. Algumas vezes esse preço é alto demais: embora tenham a capacidade e a vontade de ter sucesso na engenharia, alguns alunos acabam não agüentando a pressão. Eles então mudam de curso ou abandonam a faculdade.
Parece óbvio que alguém que tenha completado alguma coisa deva ter a habilidade de completá-la (mais concisamente, você não pode fazer o que você não pode fazer). Se os estudantes passaram nas matérias de física, matemática, computação e engenharia sem colar é porque eles tinham o talento para passar. Então de onde eles tiram essa idéia que de as suas grandes realização até o momento (e passar pelo ciclo básico de um curso de engenharia já é de fato uma grande conquista) são de alguma forma fraudulentas? Essa pergunta nos coloca em “águas da Psicologia” que eu não tenho credenciais para navegar; basta dizer então que se você é um ser humano, você está sujeito a dúvidas pessoais, e estudantes de engenharia são seres humanos.
O que podemos fazer por estes auto-intitulados impostores?
Uma última palavra. Quando eu comento em um seminário que eu me sinto um impostor entre os colegas, ao invés das respostas ressonantes que eu recebo dos alunos, eu percebo fortes vibrações vindo da fileira dos professores. Mas isto fica para outro coluna.
Nota do Tradutor: Originalmente este texto foi publicado em uma revista de ensino de engenharia química. Entretanto, acredito que ele seja uma leitura interessante para os alunos que estão fazendo suas primeiras matérias na engenharia. Para inseri-lo na realidade do “nosso” curso, tomei a liberdade de fazer algumas mudanças, principalmente com relação aos termos específicos da engenharia química. A versão original pode ser lida aqui.
- Olá João, o que está pegando?
- É a prova de amanhã, professor. Um... O senhor poderia me dizer quantas questões ela terá?
- Eu não sei como isto irá te ajudar, mas serão três questões.
- Beleza. E vai ser com consulta?
- Sim, como todas as outras provas que eu apliquei nos últimos semestres.
- E por acaso vai cair aquele apêndice do livro que mostra o cálculo da corrente termiônica de uma válvula?
- Não! Isso era usado antes de você nascer. Olha João, nós podemos continuar com essa brincadeira por horas, mas o que você acha da gente sentar e você me explicar o que está acontecendo. Você me parece nervoso.
- Para dizer a verdade, professor, eu não sei o que eu arrumei desde a última prova e por isto eu estou achando que eu vou me dar mal amanhã.
- Entendo... João, qual o seu RSG?
- Aproximadamente 3,5, eu acho, mas este semestre ele vai despencar com certeza...
- E qual foi a sua média nas duas primeiras provas?
- 92.
- E você realmente acredita que irá mal na prova amanhã?
- Bem...
Infelizmente, de certa forma ele realmente acredita nisto. Obviamente ele sabe que é um dos melhores alunos do curso e que se ele acertar 60% da prova, o resto da turma acertará 30%, mas nada disso passa pela sua cabeça agora. O que ele está fazendo então?
A literatura pop da psicologia [1] chama essa atitude de síndrome do impostor. A mensagem subliminar que toca sem parar na cabeça do João é a seguinte:
Eu estou no lugar errado... Eu sou esperto e esforçado o suficiente para enganar todo mundo por todos esses anos e eles acreditam mesmo que eu sou muito bom, mas eu me conheço... Mais dia menos dia eles vão me descobrir... Eles irão fazer a pergunta certa e todo mundo vai perceber que eu não entendo nada e então... E então...E a mensagem se reinicia neste ponto porque a conseqüência deles (professores, colegas de curso, amigos, pais) descobrirem que você é uma fraude é muito terrível de se contemplar.
Eu não tenho dados do quanto esse fenômeno é comum entre os estudantes de engenharia, mas quando eu falo sobre isto nas minhas aulas e seminários e chego na parte do “eles acreditam mesmo que eu sou muito bom, mas eu me conheço...”, o público ressoa como a corda de um violão. Estudantes riem nervosamente, concordam acenando com a cabeça, viram as cadeiras para ver a reação dos colegas. Minha suposição é que eles acreditam profundamente que aqueles ao seu redor estão no lugar certo, mas eles mesmos não.
Eles estão, em sua maioria, errados. A maior parte deles está no lugar certo – eles vão passar pelo curso e se tornarão engenheiros competentes e algumas vezes engenheiros excelentes – mas a agonia que eles experimentam antes das provas e toda vez que são questionados publicamente é o preço a ser pago. Algumas vezes esse preço é alto demais: embora tenham a capacidade e a vontade de ter sucesso na engenharia, alguns alunos acabam não agüentando a pressão. Eles então mudam de curso ou abandonam a faculdade.
Parece óbvio que alguém que tenha completado alguma coisa deva ter a habilidade de completá-la (mais concisamente, você não pode fazer o que você não pode fazer). Se os estudantes passaram nas matérias de física, matemática, computação e engenharia sem colar é porque eles tinham o talento para passar. Então de onde eles tiram essa idéia que de as suas grandes realização até o momento (e passar pelo ciclo básico de um curso de engenharia já é de fato uma grande conquista) são de alguma forma fraudulentas? Essa pergunta nos coloca em “águas da Psicologia” que eu não tenho credenciais para navegar; basta dizer então que se você é um ser humano, você está sujeito a dúvidas pessoais, e estudantes de engenharia são seres humanos.
O que podemos fazer por estes auto-intitulados impostores?
- Mencione a síndrome do impostor nas aulas e conferências individuais e encoraje os estudantes a falar sobre isso entre eles.
Os estudantes se sentirão aliviados ao descobrir que aqueles ao seu redor – incluindo aquele CDF com RSG 5 – têm as mesmas dúvidas pessoais.
- Lembre os estudantes que suas habilidades os têm sustentados por anos e não irão sumir misteriosamente nas próximas 24 horas.
Eles não acreditarão nisto só porque você disse. Essas dúvidas pessoais cresceram ao longo dos anos e não desaparecerão tão facilmente, mas a mensagem surtirá efeito se for repetida várias vezes. As afirmações devem ser gentis e positivas, entretanto: pode ser útil lembrá-los que eles já passaram por este mesmo ritual do medo outras vezes e provavelmente vão se dar também bem agora como se deram antes, mas sugerir que é tolice se preocupar com uma prova para um estudante com RSG muito alto provavelmente irá fazer mais mal do que bem.
- Mostre aos estudantes que apesar das notas serem importantes, aquele resultado específico de uma prova ou mesmo de uma matéria não será crucial para a felicidade e bem estar futuro deles.
Eles estarão menos inclinados ainda a acreditar nisto, mas você pode informá-los do seguinte: uma nota ruim raramente irá mudar o conceito em uma matéria e mesmo se o pior acontecer, um shift negativo de um conceito mudará o RSG final em aproximadamente 0,02. Nenhuma porta que estava aberta para o estudante com RSG 2,86 se fechará se o RSG cair para 2,84. (Você pode até não pensar muito sobre esse argumento, mas eu tenho visto como isto pesa para certos estudantes em pânico).
- Deixe os estudantes cientes que eles podem mudar de curso sem perder o respeito dos amigos, familiares etc.
Não é segredo para ninguém que muitos estudantes escolhem nossa área por razões duvidosas: altos salários iniciais, pressão familiar, todos os amigos estão na engenharia e assim por diante. Se eles podem ser convencidos que eles não precisam se tornar engenheiros eletricistas (mais uma vez, repetição periódica da mensagem é freqüentemente necessária), a conseqüente diminuição da pressão pode auxiliar bastante no crescimento do bem estar pessoal, independente deles se manterem no curso ou não.Mas tenha cuidado. Estudantes que estejam extremamente preocupados com sua competência ou auto-estima devem ser dissuadidos de tomar decisões sérias – como mudar o currículo ou ação semelhante – até que eles tenha a chance de se reencontrar, com a assistência de um profissional preparado.
Uma última palavra. Quando eu comento em um seminário que eu me sinto um impostor entre os colegas, ao invés das respostas ressonantes que eu recebo dos alunos, eu percebo fortes vibrações vindo da fileira dos professores. Mas isto fica para outro coluna.
Referências
- Pauline R. Clance, Impostor Phenomenon: Overcoming the Fear that Haunts Your Success. Peachtree Pubs., 1985.
4 comentários:
aliás, muito representativo.
Aliviado por saber que não sou o único!
realmente, é mt ruim quando perguntam "e a facul? =D" achando que as suas notas são tão boas quanto eram no colégio.
uau! o blog de vocês é fantástico! e apesar de estar na distante e "cúlt" letras, essas coisas também se passam comigo...
Postar um comentário